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  • cecilialeitecosta

DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE SEXUAL

No segundo ensaio comecei a desenvolver as premissas da Tese Tronco da TPC:

a distinção entre Sexualidade e Identidade Sexual e, em paralelo, o entrelaçamento dos dois primeiros com a Espontaneidade. Trata-se de conceitos de naturezas distintas e complementares. Eles se entremeiam por meio das energias feminina e masculina na formação da Identidade dos sujeitos. Nesse ensaio, discorrerei sobre a formação da Identidade Sexual. A partir desse momento, nos referiremos à Identidade como Identidade Sexual.


A Identidade Sexual começa a se formar na puberdade, por volta dos nove, dez anos, na segunda fase cenestésica, com o surgimento dos hormônios sexuais e da energia sexual e vai até os 13,14 anos, mais ou menos. Nos ensaios anteriores introduzi a intensidade dessa fase e sua relevância para o desenvolvimento da identidade. No início dessa etapa, o universo de pertencimento da criança ainda é o infantil. A energia sexual a coloca em contato com excitações e sensações desconhecidas que, muitas vezes, trazem medos inexplicáveis, pois remetem ao desconcerto diante das novas sensações. Instaura-se a necessidade de voltar, novamente, a energia psíquica que estava investida fora de si (na socialização) “para dentro” ou para o “mundo interno”. Dar conta das novas sensações é o grande desafio desse momento. O contato íntimo com o prazer advindo da manipulação das zonas erógenas já era conhecido da criança. A masturbação surge, de forma reeditada, com um papel diferente: de descarga da energia sexual e será a principal via de descarga erótica nessa etapa, visto que pré-adolescente ainda não sabe como descarregá-la com outro corpo. Se a criança já conheceu o contato íntimo com o seu corpo, ainda que sem energia erótica, ela conhece o prazer que vem da manipulacão das zonas erógenas. Isso facilita o processo de iniciação à sexualidade, que começa pela exploração do próprio corpo. Dias denominou essa fase de auto-sexual

No núcleo familiar, começa a haver necessidade de privacidade, condição para o desenvolvimento e cultivo da intimidade. Construir a privacidade demanda um enorme esforço do púbere porque ele deixa de contar com as referências que funcionaram como solo de sustentação ou o chão psicológico, até então. Ele evita compartilhar coisas íntimas com a família porque se sente exposto e teme que aquelas sensações ou sentimentos sejam moralmente condenáveis e impliquem em proibições que o novo corpo, em ebulição, não têm condições de aquiecer. Seus sentimentos e sensações costumam encontrar eco nos dos amigos do mesmo sexo e da mesma faixa etária. São vivências inéditas que trazem vergonha, pudor e que, por esse motivo, costumam ser compartilhadas com os colegas que sabem o que eles sentem. Saber, nesse caso, se refere ao conhecimento que vem da experiência em primeira pessoa. A cumplicidade com os amigos do mesmo sexo acontece, em considerável medida, em função dos “segredos” que podem compartilhar e substitui a cumplicidade antes encontrada com os pais. Eles são referências importantes para o início da separação da criança das suas referências infantis, rumo a um projeto pessoal, adulto. Acreditamos que essa seja a razão a “divisão espontânea” dos sexos nessa etapa do desenvolvimento. Os grupinhos de amigos do mesmo sexo e o “Grande Amigo”, são peças-chave no quebra cabeças do desenvolvimento sexual. O Grande Amigo(a), em geral, é líder, representa o sucesso nas performances sociais- ligadas à desenvoltura na vida social e nas relações sexuais e, ao mesmo tempo, é uma referência diferente da sua família de origem. Para falar com Dias:

“Essas relações são muito intensas e carregadas de sentimentos de posse e ciúme. Qualquer briga com o grande amigo ou amiga desencadeia fortes sentimentos de traição e desilusão, que são facilmente esquecidas em pról do novo amigo, rapidamente alçado à condição de intimidade (ibid. p. 91).

Para além disso, começar a se interessar por temas e universos de inserção e pertencimento mais adultos – e se distanciar da família nuclear- são muito comuns nessa fase. A capacidade intelectual- analítica e argumentativa- começa a se desenvolver a saltos largos. Nesse momento, homens e mulheres que representem os objetos de desejo e status a serem alcançados, são alçados à condição de ídolos. Eles podem ser pessoas das redes “concretas” de convivências desses meninos e meninas: pais, avós e professores, até ídolos distantes da realidade. A partir daí, a relação auto-sexual entra em processo de fusão identitária.

Como isso acontece?

No caso dos meninos, eles projetam traços de homens ídolos em um “Grande Amigo” e criam uma relação idealizada com ele. Os traços psicológicos admirados nos ídolos são projetados no “Amigo-ídolo”, disparando o processo de formação da Identidade Masculina Idealizada. O Gardne Amigo é o primeiro modelo de como se comportar e sentir como alguém do sexo e gênero masculino e encarna, em última instância, o homem erotizado que o garoto gostaria de vir a se tornar. Uma vez que a Identidade Masculina Idealizada ganhe um contorno mais nítido, ela deixa de estar projetada em um amigo-ídolo e passa, inversamente, a ser incorporada pelo garoto. Paulatinamente, essa nova Identidade Masculina Idealizada se funde à Modelo Masculino pré-existente do garoto (pai, ou quem tenha servido como modelo masculino), consolidando a primeira etapa da formação da Identidade Sexual Masculina desse menino. Em resumo, o modelo masculino infantil, incorporado pelo garoto, não é descartado. Ele se funde à Identidade Sexual Masculina Idealizada, dando corpo ao modelo de homem que o garoto aspira a ter. As meninas passam pelo mesmo processo.

A Identidade Sexual Masculina e Feminina funcionará como novo “código normativo tácito” de como se sentir e se comportar nas relações erotizadas com o sexo oposto. Dias chamou essa fase do desenvolvimento psicológico de Homossexual. O termo homossexual, nesse caso, não se refere à orientação sexual e, sim, ao processo de fusão identitária que permite ao púbere se descolar do modelo masculino (no caso dos meninos) e feminino (no caso das meninas) infantis para começar a criar outras referências psicológicas e, a partir desse momento, também morais e intelectuais, para desenvolver sua identidade própria. “A grande importância dessa fase está na intimidade psicológica e afetiva que se estabelece nessa relação” (ibid, p.97). A exploração corporal com os colegas começa a ser erotizada mas não configura, ainda, “jogo sexual”. São tentativas de “exploração interativa” com um corpos semelhantes ao deles (as). Usufruir dessa fase espontaneamente significa poder transitar pelos novos jogos com a liberdade necessária para se conhecer e começar a se lançar na vida sexual ativa.

A etapa seguinte começa por volta dos 14 e termina aos 17 anos, mais ou menos. Nessa fase a erotização sai da idealizacão e começa a se dirigir para um outro corpo, de outro sexo. Isso não contece em um passe de mágica. Para Dias, o “Primeiro(a) Namorado(a)” tem essa função transitória: São relações ainda muito idealizadas, cuja função psicológica é a de criar sintonia com a erotização no sexo oposto. Assim, as meninas começam a se conectar com o prazer masculino e os meninos, com o prazer feminino. Isso permite à menina criar sintonia com como se sentem os meninos numa relação erotizada e, aos meninos, se sintonizarem com o prazer feminino numa relação erotizada. No caso da menina, o Primeiro Namorado é um menino idealizado, que pode até desconhecer seu status (de namorado). Trata-se de um processo de projeção semelhante ao da etapa anterior: traços psicológicos admirados em homens –ídolos passam a ser projetados no “Primeiro Namorado”. É uma relação ainda marcada pelo descompasso entre a intensidade dos sentimentos e nível de contato físico real. De agora em diante, porém, o que está em jogo é começar a interagir, eroticamente, com um corpo diferente do dela. A sintonia com a erotização, no sexo oposto, permite a moça incorporar os traços psicológicos desse Homem Idealizado- Identidade Sexual Masculina Idealizada- que, por sua vez, se fundirão ao modelo masculino pré-existente que ela introjetou ao longo da infância, formando a sua Identidade Sexual Masculina. Os rapazes passarão pelo mesmo processo: projecão de traços de mulheres-ídolo na “Primeira Namorada”; incorporação dos traços da Identidade Sexual Feminina Idealizada e fusão desses traços, com a Identidade Sexual Feminina pré-existente para, finalmente, forma a sua Idenitdade Sexual Feminina. Essa etapa é crucial porque, se o menino, por exemplo, introjetou a Identidade Sexual Feminina, é capaz de se sintonizar com como se sente e se comporta uma mulher numa situação erotizada. Essa sintonia permite ao menino criar, aos poucos, intimidade e cumplicidade com o prazer feminino. E vice-versa. Essa seria, segundo Dias, a condição de possibilidade da Interação Sexual, etapa final da formação da Identidade Sexual. A Interação Sexual implica em um corpo masculino, por exemplo, se sentir excitado, frente a um corpo feminino, se sintonizar com a excitação que vem do corpo feminino, aumentando a excitação do seu corpo, instalando a dança ou ciclo erótico interativo que conhecemos como Sexo. O ápice desse circuito de aumento da excitação de ambos está na descarga orgástica simultânea entre eles. Dias, parafraseando Moreno, chama esse momento de Encontro. Nesse instante os corpos, misturados, alcançam a sensação de Completude. Ele é único, fugaz e acontece graças a sintonia do rapaz com a erotização e excitação masculina e feminina e a sintonia, da moça, com a excitação e erotização feminina e masculina, que incorporaram longo do desenvolvimento da Identidade Sexual.

Naturalmente, esse é um processo que começa, mas não se concretiza nessa etapa. No início da vida sexual, é esperado que as expectativas de performances e a falta de familiaridade com a interação erótica gerem muita ansiedade. As primeiras experiências são, em geral, de descargas individuais, ou seja, cada um se excita e chega ao orgasmo sem segurança sobre como foi o prazer do parceiro durante o sexo. Muitas vezes a preocupação com a performance individual não os permite usufruir do prazer sexual integralmente. Mais adiante, o sexo amadurecido, com sintonia, intimidade e projetos compartilhados definirá o que conhecemos como amor. No início da vida sexual adulta, entretanto, é comum que as pessoas tenham Relações heterossexuais e não Interações heterossexuais. Mesmo que desde a paquera seja possível se sintonizar com a excitação do outro corpo e essa sintonia disparar o circuito interativo sexual, um Encontro exige, em última instância, um encaixe bem sucedido entre o feminino e o masculino dos dois corpos. A complexidade desse instante pode ser sintetizada no seguinte paradoxo: a exigencia da intimidade com o próprio corpo e o corpo do outro, que permite a sintonia sexual, por um lado e a espontaneidade que joga por terra os aprendizados, censuras e expectativas, por outro. Chegamos ao ápice do prazer.

Por fim, é crucial acrescentar que as Identidades pré-existentes masculina e feminina não se formaram, apenas, pela imitação de papéis sociais conferidos à homens e mulheres durante a infância. Modelos de combatividade e sensibilidade (energia masculina e feminina), tanto de quem fez a função de pai e de combatividade e sensibilidade (energias masculina e feminina) por parte de quem fez a função de mãe, organizaram a personalidade dessa mulher ou homem. Logo, completar a Identidade Sexual não significa ter uma orientação sexual heterossexual. As eventuais lacunas na formação do Feminino e Masculino nessa criança, muitas vezes, inibem o processos de fusão identitária, em uma ou em ambas as fases, necessários para que ela complete a sua Identidade Sexual. Lembremos que uma Identidade Sexual saudável não significa uma orientação sexual x ou y. Significa intimidade psicológica (sintonia) com o Feminino: acolher, receber ou, simbolicamente, ser penetrado e o com o Masculino: impelir, se lançar na vida com assertividade/ combatividade ou simbolicamente, penetrar. Essa complexa combinação aconteceu, da forma possível, em todas as pessoas e isso está previsto no desenvolvimento da espécie humana. É possível que uma pessoa com orientação sexual heterosexual não seja capaz de ter uma Interação Sexual e tenha lacunas na formação do seu feminino ou masculino. Assim como é possível que uma pessoa com a orientação homossexual, tenha percorrido todo o processo de formação da Identidade Sexual e tenha bem integradas a combatividade e a intuição na personalidade. Os bloqueios nos processos de fusão identitária são denominados bloqueios funcionais e estruturais serão o tema dos próximos ensaios.


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