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  • cecilialeitecosta

CULTURA

Dando continuidade ao Post anterior, definiremos, em passant, a palavra cultura a partir de duas perspectivas, para então, refletirmos sobre as influências da cultura na formação da personalidade. Segundo Abbagnano[1], Cultura pode ser definida de duas formas: 1) como designação “‘(...) da formação do homem, seu melhorar-se(...)’ e 2) ‘como produto dessa formação, i.e, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, que se costumam indicar pelo nome de civilização” (p209). A partir do século XVII, o processo de racionalização do conhecimento suplantou a religião como produtor das verdades essenciais a respeito do mundo e da natureza humana. A racionalização traz em seu bojo outra convicção que passa a ser intuída como natural ou essencial: a do livre arbítrio.[2] Ele oferece o contraponto à perda da garantia do sentido da vida até então oferecida pela redenção cristã (certeza da salvação pós-morte). Nesse processo, o significado de “Cultura” deslizou semanticamente e passou ser naturalmente associado à capacidade dos seres humanos de, munidos de livre arbítrio, criarem horizonte e sentido para as próprias vidas. De acordo com Kant: “A produção, em um ser racional, da capacidade de escolher os próprios fins em geral (e, portanto, ser livre), é a cultura”[3]. Não aprofundaremos essa discussão porque ela extrapola nosso conhecimento e o escopo do ensaio. Para nosso propósito, é suficiente saber que a Cultura perpassa todos os níveis da formação da identidade embora, sozinha, não seja suficiente, para explicar a causa da formação dos sintomas individuais, i,e, porquê indivíduos desenvolvem determinados sintomas ou padrões disfuncionais e não outros.

Mas...o que exatamente isso quer dizer? Como e em que níveis a cultura impacta a personalidade, as interações e está relacionada aos distúrbios emocionais? Existe uma resposta consensual para essa pergunta?

No que toca a formação do Ego/identidade, proporei refletir sobre a influência da cultura na identidade em dois sentidos mais amplos: 1) Cultura como meta-narrativa- nesse caso ela funciona como estrutura “mais básica” de produção de verdades não sujeitas à controvérsias. Essas verdades não são lógicas (2+2=4) e sim empíricas. Mas, por outro lado, não são “relativizáveis”. São relativas a um tempo histórico e podem, algum dia, ser substituídas por uma nova descoberta. Não têm, porém, o mesmo status que opiniões. Para falar com Wittgenstein[4], algo considerado “verdade (meta-narrativa)” funciona como uma mitologia de origem. Wittgenstein usa a imagem de uma “rocha dura” que limita o córrego de um rio ou do mar, a fim de ilustrar a analogia. A Rocha não é etérea ou permanente (virá a erodir algum dia) mas, enquanto for essa rocha, funcionará como uma referência estável para definir o limite do córrego/mar. Cultura, nesse primeiro sentido, pode ser entendido como um “baú de verdades maiores”. Essas verdades funcionam como um roteiro/ pauta de referências de conduta que nos orientam eticamente no mundo. Nos referiremos à Cultura, nesse sentido, como “chão psicológico social”.

Continua no próximo Post [1] Abbagnano. Dicionario de Filosofia. p.209 [1]-_________. Crit. Do Juizo, ∑83 [2] O livre arbítrio é discutido desde o velho Testamento. Nosso intento é endereçá-lo à transformação egóica. Portanto, para além de aspecto constitutivo da natureza humana, livre arbítrio passa a ser, também, aspiração e horizonte de vida e felicidade. [3] Abbagnano, Dicionário de Filosofia. Crit. Do Juizo, ∑83 in, Abbagnano, Dicionário de Filosofia [4]“The propositions describing this world-picture might be part of a kid of mithology. And their role is like that of rules of a game; and the game can be learned pure practically, without learning any explicit rule(…) The mythology may change back into a state of flux, the river-bed of thoughts may shift. But I distinguish between the movement of waters on the river-bed and the shift of the bed itself; though there is not a sharp division of the one from the other(…) And the bank of that river consists partly of hard rock, subject to no alteration or only to only an imperceptible one, partly of sand, which now is one place now in another gets washed away, or deposited”. Wittgenstein, L. On certainty.



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