CRISE CONJUGAL III: Recursos e Técnicas para manejo clínico
- cecilialeitecosta
- 13 de mar. de 2019
- 8 min de leitura
DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL DA CRISE CONJUGAL
Com auxílio de recursos psicodramáticos
Recursos/Técnicas para manejo clínico
ÁREA COMPARTILHADA
Criada por Machado, o diagrama da Área Compartilhada é uma imagem simples e eficaz da proposta de trabalho da terapia de casal.
Primeiro, explicamos que nosso cliente é a Relação Conjugal. Trataremos a Área Compartilhada, como esse ela fosse um terceiro elemento, construído pelos dois indivíduos em relação. Referimo-nos à ela, também, como o espaço do “Nós”.
O gráfico nos mostra como está estruturado o espaço de autonomia e independência dos indivíduos e o grau de projetos em comum e compartilhamento da vida.
Ele é um convite aos clientes para que comecem a se responsabilizar pela construção e cultivo da área compartilhada. Isso quer dizer, um convite para que se comprometam a achar espaços e projetos para a vida a dois, independentes da relação societária ou familiar.
Área compartilhada

TÉCNICAS PSICODRAMÁTICAS
Tribuna livre:
Técnica de escolha para todas as fases da terapia. Damos duas pranchetas aos clientes e a consigna é pedir que se sentem, um por vez, numa cadeira em destaque e sejam entrevistados pelos terapeutas. É proibida a intervenção do outro parceiro, enquanto o primeiro estiver sendo entrevistado. Se o parceiro que não estiver sendo entrevistado sentir necessidade de falar, ele escreve na prancheta e espera a sua vez de ser entrevistado.
A Tribuna, por um lado, tem a função de evitar o bate-boca e, por outro, de dar voz aos que não costumam se manifestar e silenciar os que dominam os embates no casal. Além de criar um novo equilíbrio na comunicação, ela auxilia o terapeuta a gerenciar a sessão, evitando a repetição do padrão improdutivo que acontece fora do setting.
Cena de descarga:
As Tribunas também funcionam como Cenas de Descarga visto que, protegidos pelo setting, os sujeitos conseguem exprimir conteúdos difíceis de serem ditos diretamente ao parceiro por inúmeras razões.
Inversão de papéis:
Um por vez, o paciente se senta na Tribuna e é entrevistado no lugar do parceiro. A consigna é que façam o maior esforço possível para se comportar, sentir e pensar como o parceiro faria. Se, por ventura, não souberem, imaginem o que ele(a) diria, mas não saiam do papel. O objetivo dessa técnica é fazer com que tomem distância dos seus pontos de vista e comecem a se colocar no lugar do outro.
Escultura/concretização:
A consigna é criar uma imagem mental que represente a relação e concretizá-la numa imagem usando os dois como modelos. Cada um monta uma escultura. A imagem ajuda a evidenciar o status da relação. Por exemplo, o distanciamento, maior do que admitiam ou a diferença do status da relação para um e para outro.
A Concretização pode, também, ser usada personificando a Relação Conjugal: seja pelo terapeuta, seja por cada um dos parceiros. Nesse caso, o terapeuta dá um depoimento, “do ponto de vista da relação” ou, no segundo, entrevista cada um dos parceiros no “lugar da Relação”.
Casos clínicos
1) Patrícia e André

Patrícia e André chegam à terapia com queixas de brigas constantes, hostilidades e com uma atmosfera de convívio à beira da agressão física. A relação tinha dez anos, mas eram casados há dois anos. Na primeira fase do trabalho, descubro que Patrícia e André se apaixonaram e se aproximaram pela atração sintônica no vínculo amoroso, com foco de atração individual e mútuo no componente sexual. Com a Tribuna Livre e Inversão de Papéis, eles conseguem descarregar as mágoas e expectativas frustradas evitando a instalação de uma relação de ódio. Descubro que, antes da decisão de se casarem, haviam se separado, embora se encontrassem esporadicamente. Em um desses encontros Patrícia engravidou e a decisão de casar se deu, em última instância, em razão disso.
Diagnóstico estrutural/Manejo:
A viga mestra da relação foi, por muito tempo, o vínculo amoroso, com o maior foco de cumplicidade na parte sexual.
A decisão de casar, contudo, não foi planejada pois, a parte a decisão de serem pais, não havia projeto de compartilharem a vida em outros aspectos da relação. André sentia falta do status de namoro, de ter mais privacidade – ele é artista plástico e passava muitas horas no seu ateliê-, ao passo que Patrícia cobrava uma convivência cotidiana de maior cumplicidade e parceria. Os dois entraram em um ciclo de hostilidades que crescia em escalada, mas o que evitavam confrontar era que a decisão de compartilhar a vida talvez ainda não estivesse tão amadurecida.
A Tribuna Livre e a Inversão de papéis permitiram que eles revivessem a história da relação, se colocassem no lugar do outro e decidissem que ainda tinham desejo de investir na relação. Uma vez esclarecido o foco da crise, o trabalho transcorreu com vários acordos sobre como eles estariam dispostos a construir a área compartilhada e recontratar o casamento em bases consensuais.
2) Camila e Francisco

Camila e Francisco eram um jovem casal, ambos com 28 anos, que estavam juntos há 13 anos. Ambos tinham sido primeiros namorados um do outro e estavam casados há 1 ano. Quando chegaram para a terapia já estavam em crise, com algumas tentativas de pausa (afastamento), que vinham tornando o status da relação instável, em princípio, para ambos.
A Tribuna permitiu constatar que o momento era desencontrado para um e para o outro, em termos de expectativas para a relação.
O diagrama da área compartilhada evidenciou que Francisco se sentia sufocado, sem autonomia e Camila, ao contrário, sentia que os aspectos que caracterizavam a vida em comum praticamente não existiam mais.
A Inversão de Papel permitiu que os dois revisitassem a história da relação e o incentivo ao diálogo franco fez com que Francisco pudesse expor sua necessidade de experimentar a vida de solteiro – algo que ele não tinha tido. O trabalho se direcionou para uma terapia de separação.
Diagnóstico estrutural/Manejo:
A Viga mestra dessa relação foi, por muito tempo, o vínculo amoroso, embora o foco de atração para um fosse o sexual e, para o outro, o afetivo. O encaixe mútuo e sintônico era na área afetiva e esse dado foi importante para recuperar a área em que se deu a maior cumplicidade desse casal, no início.
Ao cabo de mais de uma década, quando a decisão de se casarem ocorreu, Francisco não tinha mais segurança sobre o projeto de casar. Ao contrário do caso anterior, aqui houve muitos planejamentos ao longo da relação, mas no momento de se casarem, Francisco se sentia “cumprindo tabela”. A decisão se deu mais pela necessidade de corresponder às expectativas das famílias e redes em comum, do que pelo desejo de compartilhar a vida a dois. Depois de casados, ele começou a se comportar de um jeito evasivo, criando relações com amigos e programações que excluíam Camila. Elas correspondiam à sua necessidade de liberdade mas eram sentidos, por Camila, como rejeição e abandono.
A Tribuna deu a oportunidade de Francisco se expor com franqueza. Ele não queria carregar sozinho o ônus da separação. Como não tinham bens em comum, a terapia transcorreu com acordos sobre como estipulariam o status da relação dali em diante.
3) Laura e Roberto:
Laura e Roberto estavam na casa dos 50 anos, tinham se conhecido há 4 anos, na cidade onde Laura morava- interior de São Paulo-, em um evento de trabalho. Começaram a sair e rapidamente se encantaram um pelo outro. Gostavam das mesmas coisas: cozinhar, estar na natureza- no campo ou no litoral-, viajar. As semelhanças no jeito de ser e levar a vida foram contagiando os outros focos de atração e se viram apaixonados. Roberto achava Laura maravilhosa: ela resolvia tudo, era assertiva, decidida. Adorava mulheres assim! Laura também admirava a articulação de Roberto e adorava ter o poder de decidir e organizar as programações a dois e, ainda por cima, ser admirada por isso.
Ambos tinham dois filhos de casamentos anteriores e, em princípio, isso não parecia ser fonte de problemas, visto que moravam em cidades distintas e a agenda juntos era sempre muito prazerosa.
Com a decisão de se casarem e com a convivência, diversas brigas começaram a ocorrer e o clima de hostilidade foi aumentando. A hostilidade de um dos filhos e a intromissão da ex-mulher de Roberto começaram a incomodar Laura de um jeito incontrolável. Ademais, a prolixidade, a indecisão e o “tom de ameça” (que vinha da hesitação), cada vez que ele não aguentava mais discutir a relação, a deixavam insegura. Roberto se sentia sufocado: o jeito impulsivo de Laura resolver as coisas, o excluindo das decisões relativas ao casal o estava enlouquecendo.
Os mesmos motivos que fizeram com que se encantassem um pelo outro eram, agora, motivo de decepção e desencanto.
Diagnóstico estrutural/Manejo:
Não obstante houvesse uma grande delegação de função de urinador da parte de Roberto à Laura, o inverso não acontecia. A viga de encaixe sintônico entre ambos era a área afetiva, no vínculo amoroso.
Essa terapia foi focada no trabalho de Desencanto. Não havia esvaziamento do vínculo de amor e sim, necessidade de falar com franqueza sobre as decepções e expectativas com relação ao outro e à Relação. Dessa forma, foi possível entender o pano de fundo das picuinhas e implicâncias de um com o outro.
Nessa etapa, conseguimos trabalhar a área compartilhada e o casal pôde estabelecer alguns acordos iniciais sobre o formato e funcionamento da casa (gerência da parte societária), além do espaço para o cultivo da relação do casal (voltarem a viajar, sair à noite sem os filhos, etc). Ao restabelecerem a cumplicidade, também conseguiram estipular limites para a “invasão”, por parte dos filhos e outros entes das famílias extensas, do espaço estipulado para eles. Começaram a criar as regras para construção e cultivo do “nós”: área compartilhada.
Nessa etapa, trabalhamos com a “concretização da relação” e fechamos o trabalho com uma Escultura, fotografada.
Formato e critérios de atendimento
Nosso cliente é a Relação Conjugal:
Isso significa que não iremos atendê-los individualmente e que os conflitos individuais serão apontados e indicados para terapia individual.
Na vigência da terapia, nenhum dos dois pode ser cliente individual do terapeuta do casal. Depois de finalizada a terapia, se algum dos clientes decidir iniciar um processo psicoterápico individual com o terapeuta, não há impedimento ético. Inversamente, ter sido, previamente, cliente individual do terapeuta em um período de tempo não muito distante, pode comprometer a isenção do terapeuta para tratar a crise do casal.
O formato da terapia é breve, com uma previsão de sessões estipulada na entrevista inicial que pode ser recontratada se houver necessidade.
O trabalho se desenvolve, em média, entre 8 e 15 sessões, com duração de 1h e 30 min à 2 hs. Esse costuma ser um tempo razoável para que a sessão esteja aquecida o suficiente para elevar as tensões e fazer com que as descargas emocionais aconteçam e encontrem alguma continência, por parte do terapeuta, até o encontro seguinte. Os casais costumam chegar para a terapia super-aquecidos. Por essa razão, as sessões inciais (2 ou 3) devem ser feitas com intervalo semanal. Depois disso, o ideal é espaçar para duas semanas e, se aproximando do encerramento da terapia, para um mês, para que haja tempo para implementarem as mudanças no cotidiano e checarem os acordos negociados.
Conclusão
De posse dessa metodologia e com o aporte dos recursos do Psicodrama, é possível recuperar a história da relação, com critérios eficientes para diagnosticar o foco da crise e entender as compensações neuróticas do casal, sem exigência de aprofundamento nos conflitos individuais dos parceiros.
Por fim, é possível trabalhar as negociações necessárias com uma proposta de co-responsabilização pelo cultivo e manutenção da saúde da relação.
Referências bibliográficas
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