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  • cecilialeitecosta

ANGÚSTIAS CONTEMPORÂNEAS-IDENTIDADE DE GÊNERO- CONFLITOS/ PERTENCIMENTO

Atualizado: 30 de out. de 2021

Os conflitos clínicos comumente associados ao gênero são: 1) Assumir que se é diferente do do que é considerado “normal” e 2) entender em que ponto do espectro se encontra- se se é transgênero binário ou não binário-fluido. Além desses dois, outro tipo de conflito tem surgido no âmbito das relações sexuais e amorosas, qual seja, a definição da orientação sexual em casais em que um dos parceiros é fluido e para os quais isso seja um uma questão relevante. Se uma pessoa teve muitos conflitos para assumir sua orientação como homossexual, por exemplo, como ele/a se sente se o parceiro não tem gênero e orientação definidos? Esses conflitos têm aparecido em casais nos quais um dos parceiros/as tem orientação homossexual e o outro é transgênero, por exemplo. Tendo em vista que nosso objetivo é o entendimento clínico (diagnóstico psicodinâmico),vamos dividir os conflitos em relacionais ou internalizados. No primeiro grupo, vamos considerar pessoas que decidem assumir publicamente a condição ou orientação sexual. Como será a aceitação familiar, profissional e social? Essas situações/condições costumam ser carregadas de conflitos e angústias, visto que ainda são pouco entendidas e aceitas socialmente. As pessoas nessa situação são muitas vezes tratadas com com hostilidade e violência. Mas, independente das angústias individuais, esse tipo de conflito está centrado nos relacionamentos. Ademais, são conflitos que trazem angústias reais, associadas a impedimentos externos. A forma encontrada pelas pessoas incluídas no grupo LGBTQIA+ e apoiadores para se fortalecerem individualmente e como grupo social tem sido reivindicar suporte médico e pertencimento social. As reivindicações são, em resumo, pelo "direito de pertencer". Na prática, isso quer dizer: 1) direito à assistência médica, o que significa estarem incluídos em uma categoria psiquiátrica. A primeira vista, tentar pertencer a uma categoria psiquiátrica pode parecer um pouco confuso mas, de fato, não é. Trata-se de uma forma de ter acesso à tratamento- custeamento em casos de cirurgias-, se elas forem avaliadas como caso de saúde e também acesso a tratamento psiquiátrico e psicológico qualificado. Invariavelmente essas condições trazem desconforto e muita angústia e é importante que as pessoas saibam que não estão sós, que outras pessoas se sentem assim e que existem especialistas nos sofrimentos associados a essas condições.

2) O direito a pertencer por via de uma uma categoria social.- serem aceitos como cidadãos. A reivindicação, nesse caso, seria que a vida vale pelo que é. O valor das pessoas está em serem seres humanos únicos e diferentes. Toda forma de ser e amar é legitima. Diferenças da norma são anomalias[1] não patologias (deficiências), como disse Canguilhem. Nesses casos, algumas pessoas reivindicariam o direito a fazer cirurgia de transição sexual porque não se sentem no gênero que, em teoria, seria correspondente ao aparato genital de nascimento. Do ponto de vista das políticas sociais, não se trata de demandas excludentes. São batalhas intelectuais e judiciais por direitos. Do ponto de vista psicológico, contudo, existem sutilezas que merecem menção. Seres humanos são imperfeitos e ambivalentes. Tentar se encaixar em alguma categoria traz alívio e pertencimento mas, muitas vezes, não resolve o problema e traz outras angústias. Nesses casos, trata-se de conflitos internalizados (encobertos) dos quais as pessoas, em geral, não estão conscientes[2]. Vamos nos concentrar em um grupo de possíveis conflitos encobertos, os que remetem à (auto)rejeição. Nesses casos, definir o gênero é crucial, mas talvez não seja suficiente para resolver a sensação de desencaixe existencial e insatisfação. Se as questões relativas à rejeição não são exploradas, pode haver conflitos ligados a sentimentos contraditórios decorrentes de decisões como a de fazer cirurgia para transição sexual. Os sentimentos conflitantes podem se expressar em exemplos como: a) não se sentir “de acordo com a norma”, ser diferente, logo, “doente”; b) Uma vez feita a transição, o que fazer com a insatisfação existencial que permanece? Como assumir que não se sente, exatamente, mulher ou homem ou não sabe em que ponto do espectro está?; c) Seria isso uma traição ao grupo que lhes acolheu ou um insulto ao sofrimento dos que, por fim, decidiram por um lado – em termos de identidade de gênero ou de orientação sexual? No final das contas, do ponto de vista existencial, entre feminino e masculino, um monte de coisas acontece[3][4][5]...-.É importante que as pessoas possam se sentir, na medida do possível, à vontade com relação às próprias ambiguidades a fim de mergulharem no túnel que as levará, enfim, aos conflitos encobertos relativos a rejeição.

Continua no próximo Post


[1] Canguilhem. [2] Da perspectiva psicodinâmica, consciência é avaliada em contraposição ao inconsciente – estados/ sentimentos e afetos que a pessoa desconhece a seu respeito. [3] De acordo com o biólogo Michael J.Ryan, gender identity is a concept exclusively applied to humans(…). Ao passo que, com relação à papeis e performances ( Gender performativity), diz Butler: “(…)gender is not an expression of what one is, but rather something that one does”.[121] . Finally, de acordo com Bornstein, K. (gender theorist) :”(…) gender can have ambiguity and fluidity.[37] [4] Ver também: Episodio 3- Reflexões clínicas. Bloco IX-Angustias contemporâneas. Em Falando de Cecilia com Cecília Leite. Em: YouTube. [5] Ver também The struggles of rejecting gender binary. In : New York Times magazine. June 2019.

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